quinta-feira, 25 de agosto de 2011

A quem perguntar quem sou...

"Há quem pergunte na rua

se eu sou quem sou, e eu não sei responder

porque eu já não sou quem fui

nem sei quem irei ser, e odeio rimas,

iguais a esta, que se intrometem no texto

empurrando-o para o lado da música, traiçoeiras,

Como se daí pudesse vir redenção ou resgate.

Eu não sei quem sou, nem que alma tenho,

ou sequer se a tenho, e, no caso de o saber,

se deva confessá-lo de forma a que possa ser lido, repetido e usado contra mim.

Eu não sei nada.

Eu acordo orvalhado como uma folha

calcinada nos bordos pela violência do sol

e enxugo a boca com a toalha da mesa

e os olhos com as costas das mãos.

Sempre às escondidas.

as minhas lágrimas sabem a mar,

porque eu trago o mar na carne

e o meu peito é uma fúria de ondas

assaltando a terra durante o sono dos homens.

Eu movo-me em círculos da insónia

como um animal enlouquecido, alucinado

por aquilo que o instinto lhe segreda

há quem pergunte quem sou

e eu respondo que sou o que escrevo

pois, fora do que escrevo, o que existe de mim

é um turbilhão de lava a engolir as dunas. Nada mais"

 José Jorge Letria

Sem comentários:

Enviar um comentário