"Há quem pergunte na rua
se eu sou quem sou, e eu não sei responder
porque eu já não sou quem fui
nem sei quem irei ser, e odeio rimas,
iguais a esta, que se intrometem no texto
empurrando-o para o lado da música, traiçoeiras,
Como se daí pudesse vir redenção ou resgate.
Eu não sei quem sou, nem que alma tenho,
ou sequer se a tenho, e, no caso de o saber,
se deva confessá-lo de forma a que possa ser lido, repetido e usado contra mim.
Eu não sei nada.
Eu acordo orvalhado como uma folha
calcinada nos bordos pela violência do sol
e enxugo a boca com a toalha da mesa
e os olhos com as costas das mãos.
Sempre às escondidas.
as minhas lágrimas sabem a mar,
porque eu trago o mar na carne
e o meu peito é uma fúria de ondas
assaltando a terra durante o sono dos homens.
Eu movo-me em círculos da insónia
como um animal enlouquecido, alucinado
por aquilo que o instinto lhe segreda
há quem pergunte quem sou
e eu respondo que sou o que escrevo
pois, fora do que escrevo, o que existe de mim
é um turbilhão de lava a engolir as dunas. Nada mais"
José Jorge Letria
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